Ainda há “heróis” que terminam as provas anunciando aos quatro ventos que não tiveram necessidade de ingerir qualquer líquido durante o percurso, como se tal afirmação fosse sinónimo de elevada condição física.

Há que não ter dúvidas, o normal, o desejável, quando estamos perante corredores de fundo, é que eles tomem todas as precauções, de maneira a perderem qualquer um dos abastecimentos previstos pelos organizadores das provas, já que o objectivo é manter os bons níveis hídricos do organismo consoante os quilómetros vão sendo percorridos. Não foi por acaso que os regulamentos da Federação Internacional evoluíram no sentido de serem proporcionados locais específicos para abastecimento, situados de 5 em 5 quilómetros, situação que ainda leva certos organizadores a terem o cuidado de colocar postos intermédios, principalmente quando as competições de fundo decorrem sob condições atmosféricas adversas, com predominância de calor e humidade. Essa adaptação dos regulamentos teve por base a evolução dos conhecimentos de fisiologia em torno dos esforços de Endurance, por estar provado que um dos factores limitativos do esforço humano assenta na necessidade de se manterem constantes os parâmetros hídricos .

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AUMEN'(O PROGRESSIVO DAS PULSAÇOES E DA TEMPERATURA

A água é de longe o composto mais abundante do corpo humano, chegando a representar mais de 60% do peso corporal. Essa grande massa líquida constitui um meio ambiente indispensável à sobrevivência· dos tecidos, realizando-se aí todo um conjunto de reacções celulares, nomeadamente no que se refere ao transporte dos microsubstractos energéticos capazes de fazerem com que os músculos mantenham a sua actividade. Outro detalhe importante, prende-se com a necessidade imperiosa da eliminação dos produtos tóxicos produzidos pelo trabalho muscular, a par da normalização do excesso de calor. Apesar de estarmos a falar do meio líquido que “banha” todo o nosso corpo, há que ter presente que a maioria das acções . focadas anteriormente acaba por ser assegurada pelo sistema circulatório. Uma dessas acções é o fornecimento de energia aos músculos, enquanto outra diz respeito ao transporte das toxinas e ao excesso de calor desses mesmos músculos.

Por muito bem treinado que esteja qualquer indivíduo, chega-se a um ponto em que o seu sistema circulatório ja não é capaz de desempenhar cabalmente essas activid es, e isso devido a um pormenor facilmente compreensível por todos: o organismo não dispõe de sangue suficiente para irrigar simultaneamente todos os microvasos do nosso corpo. A opção é a de irrigar abundantemente as zonas do corpo que estão actividade muscular, limitando as outras a uma irrigação muito mais fraca. Ao mesmo tempo que tudo isto acontece, o sistema circulatório confronta-se com a necessidade imperiosa de se eliminar o calor que os músculos vão produzindo continuamente. Em consequência disso, uma parte da corrente circulatória deve ser distribuída ao longo da pele, de forma a que o calor possa ser dissipado através do circuito cutâneo, sendo a transpiração, ou seja, a evaporação do suor, a sua principal via. Utilizando o exemplo de um grande barco a vapor em que, lá no fundo dos seus porões, se encontram homens cuja função contínua é a de encherem a caldeira com carvão para que a máquina nunca pare, torna-se evidente que a temperatura ambiente nesses mesmos porões vai aumentar e o seu arrefecimento só pode ser feito se o local for ventilado de qualquer maneira.

Portanto, no nosso corpo, a maneira privilegiada de se verificar essa ventilação é através da transpiração pela via do suor. Num corredor de maratona, chega-se a medir temperaturas corporais internas superiores a 41 graus, principalmente quando as provas são disputadas sob temperaturas superiores a 24 graus. Conclui-se, portanto, que o exercício prolongado em locais quentes e húmidos, diminuem os níveis de Endurance do desportista. Com o aumento da sudação, torna-se muito fácil compreender que, aos poucos, o corpo vai perdendo líquidos … Na figura em anexo, poder-se-á verificar o gráfico relativo a dois tipos de corredores, o que absorve regularmente água no decorrer das duas horas de esforço (bolas claras), e outro que, no decorrer do teste, não ingere qualquer líquido (bolas escuras). Nesta sequência, a temperatura corporal aumenta constantemente no corredor que não bebe água, enquanto que, no seu colega, o aumento é muito mais ligeiro e suportável.

No gráfico relativo ao controlo cardíaco efectuado no referido teste de duas horas, também é visível que as pulsações sobem constantemente, quando se trata de corredor que não ingeriu líquidos (bolas escuras) e mantêm-se quase estáveis no corredor convenientemente hidratado. O teste foi elaborado pelo Dr. A.Claremont, em 1976

Em conclusão, poderemos dizer que uma perda de líquidos da ordem dos 3% do peso corporal acaba por determinar um aumento da frequência cardíaca e da temperatura corporal no decorrer dos esforços prolongados. O estudo ainda revelou que a desidratação exerce sempre efeitos típicos no sistema cardiovascular, dada a redução da aptidão para assegurar um débito sanguíneo suficiente ao nível da pele e dos músculos, acompanhada pela redução do volume plasmático, situação que pode ocasionar uma síncope com típicos sinais de insolação (pele fria, pálida e húmida e hipotensão arterial).

o QUE SE PERDE DURANTE A TRANSPIRAÇÃO?

Ao falarmos em perdas de líquidos pela via do suor, convém referir que não é apenas água o que se perde. As glândulas sudoríperas podem operar uma secreção selectiva de certos elementos, como, por exemplo, o sódio. Na realidade, o suor “leva consigo” uma série de minerais cuja importância é fundamental para um bom desenrolar do esforço humano. O sódio e o cloro são, sem dúvida, os mais abundantes e a sua acção é essencial para o controlo das trocas extra celulares. Efectivamente, se compararmos o suor com outros líquidos existentes no organismo, constatamos que é algo bastante diluído. Por exemplo, vejamos a relação que existe entre o plasma e o suor:

SódioCloroPotassioMagnésioTotal
PLASMA

SUOR

140

40-60

100

30-50

4

4-5

1,5

1,5-5

245,5

75,5-120

Pela leitura da tabela que publicamos acima, observa-se que a concentração de sódio e de cloro é cerca de três vezes mais importante no suor do que no plasma, sequência em que, se o indivíduo, no decorrer de uma competição de fundo, perder quatro litros de suor, a perda electrolíquida do organismo situar-se-á em 150 mEq de sódio e de cloro, o que representa cerca de 6 a 8% da massa total de c1oreto de sódio existente no organismo. As perdas de potássio e de magnésio rondarão 1% da massa total. Como se verifica uma concentração iónica dos líquidos do organismo devido ao facto da transpiração obrigá-lo a perder mais água do que sais minerais, há que compensar tais perdas não só em termos de água como de outro elemento. Naturalmente que um indivíduo, quanto mais treino tiver, melhor estará preparado para o esforço que pretende efectuar. Por outro lado, as atletas femininas produzem nitidamente menos suor do que os seus colegas masculinos. Convém, igualmente, ter presente que nem sempre uma grande produção de suor se traduz por melhor arrefecimento corporal, existindo cerca de 25% de corredores cujo mecanismo de sudação é ineficaz, não obstante grande desperdício hídrico e de sais minerais.

BEBER EM PLENO ESFORÇO?

Para não nos alongarmos muito, convém não esquecer que a ingestão regular de líquidos no decorrer de exercício prolongado apresenta três grandes vantagens:

1 O facto de se beber atenua a desidratação provocada pela transpiração intensa .e • prolongada, ocasionando menor carga no sistema circulatório. Na figura em anexo, podemos observar os efeitos da ingestão de água sobre o volume plasmático no decorrer de um esforço de duas horas em bicicleta, efectuado em sala com temperatura elevada (37,S graus e humidade relativa da ordem dos 35%). As bolas em branco representam o desportista que ingeriu, de 10 em 10 minutos, 150 miligramas de

2 A ingestão de líquidos em plena corrida acaba por responder, igualmente, às • necessidades resultantes das perdas de hidratos de carbono. Num esforço prolongado, o fígado assegura a libertação para o sangue de determinadas quantidades de glucose que vão assegurar o funcionamento dos músculos, nervos, etc .. Se os líquidos que o desportista for absorvendo contiverem também algumas quantidades de glucose, essa ingestão através do tubo digestivo vai representar a possibilidade de se manter os teores de glucose no sangue dentro dos parâmetros normais e, eventualmente, de reconstituir certas reservas hepáticas. Uma bebida açucarada, contendo glucose, sacarose ou frutose,. pode representar um bom complemento das reservas hepáticas do atleta;

3 A ingestão reduz notavelmente o risco de hipertermia. O gráfico seguinte mostra-nos a • influência da ingestão de ‘líquidos relativamente à evolução da temperatura corporal no decorrer de esforço em tapete rolante durante duas horas. Para este estudo, que foi levado a efeito pelo Dr. Costill, foram convidados seis maratonistas, tendo dois deles efectuado o teste ingerindo glucose (bolas escuras), dois outros apenas se servindo de água (pequenos quadrados), enquanto os restantes nada ingeriram (bolas claras). É fácil observar-se que os que ingeriram água apresentavam temperaturas corporais mais baixas.

QUAIS AS BEBIDAS A UTILIZAR? Como já afirmámos, a água é a bebida fundamental para qualquer corredor. Ela, e só ela, é capaz de corrigir o volume plasmático e, consequentemente, reduzir o risco de hipertermia. No entanto, uma pergunta se impõe: qual é a maneira mais rápida de compensar as perdas de água? É sabido que o estômago absorve pequena quantidade de água, pois tudo deve ter passado pelo intestino antes de passar para o sangue.

A absorção intestinal parece ser controlada pela rapidez com que o líquido ingerido deixa o estômago. Existem múltiplos factores que condicionam essa evaquação e, entre eles, há que ter em atenção três aspectos:

    • O volume do líquido ingerido;
    • A quantidade de açúcar;
  • A temperatura do líquido ingerido.

Quanto ao volume do líquido, o seu limite está nos 600 mililitros. É sabido que os desportistas não gostam de efectuar o seu esforço com o estômago cheio de líquidos, situação que faz com que se aponte para volumes bem menores que se devem ingerir: 150 a 250 mililitros, e isto, com espaços de 10 a 15 minutos no decorrer do esforço. No que diz respeito ao teor de açúcar, ele é responsável pela rapidez da absorção gástrica dos líquidos. Quer se trate de glucose, sacarose ou frutose, a verdade é que todos esses açúcares acabam por reduzir a absorção dos líquidos no estômago. Por exemplo, se um indivíduo beber 400 mililitros de água, 30 a 40% dessa quantidade continua no estômago um quarto de hora após ter sido ingerida. Em contrapartida, quando é adicionada a esse mesmo volume uma solução de 40 gramas de glucose, o estômago, passado igual período de 15 minutos, ai~a retém 95% do que se ingeriu. O facto de muitos’ Desportistas preferirem bebidas fortemente açucaradas é um pormenor que, em vez de lhes trazer qualquer benefício, só representará prejuízo.

Na realidade, a preferência por bebidas apenas ligeiramente açucaradas permite ao organismo absorver maior quantidade de água. Em termos teóricos, esta concentração não deve ultrapassar 2 a 2,5 gramas por cada 100 mililitros de água. Por último, no que se relaciona com a problemática da temperatura da bebida que se deve beber, o corredor deverá apagar da sua mente a ideia de que só as bebidas frias é que combatem a sede, como, aliás, é tão frequente. Sabe-se hoje que o ideal é absorver líquidos à temperatura ambiente e que isso constitui a melhor maneira para que a sua absorção si processe com rapidez.

Perante a diversidade de bebidas que existem no mercado para desportistas, é bom que os corredores optem por utilizar, quando em pleno esforço, aquelas que efectivamente lhes sejam mais úteis e não as mais açucaradas … Outro detalhe a reter pelos desportistas relaciona-se com o facto da sede constituir um fenómeno caprichoso e, regra geral, quando se manifesta, já se está na primeira fase de desidratação. Daí a necessidade do atleta beber mesmo que não tenha sede, única forma de assegurar o habitual nível hídrico exigido pelo seu organismo. Em conclusão, poderemos dizer que existem seis grandes aspectos que devem estar presentes nas bebidas preparadas para os corredores de fundo:

1 Durante a competição, há que beber mesmo sem sede em todos os períodos de 10 a 15 • minutos de esforço e em quantidade de 100 a 200 mililitros de líquido;

2 A bebida deve ser hipotónica (poucas partículas sólidas no seu volume), com gosto • agradável, a uma temperatura entre os 8 e os 13 graus, com fraca concentração de açúcar (menos de 2,5 gramas por 100 ml de água) e consumida em quantidades que devem variar entre os 100 e os 400 ml;

3 Ter o cuidado de beber 400 a 600 ml de água ou de bebida preparada, como descrevemos • no ponto anterior, 30 minutos antes do início da competição;

Depois da competição, adicionar pequeníssimas quantidades de sal aos • alimentos, de forma a colmatar as perdas provoca das pela sudação;

5. Deverá haver o cuidado de anotar o peso corporal todas as manhãs, logo ao levantar e depois de se ter urinado;

6. A bebida do desportista tem uma influência decisiva no bom desenrolar das competições sempre que estas tenham duração superior a 50 minutos.

Na 151 • NOVEMBRO sPIRITON