ESTRATÉGIAS PARA  UMA BOA MARATONA 

Por Marcelo Augusti 

Que ninguém duvide, há cada vez mais corredores interessados em alinharem na prova da Maratona. Independentemente da idade, experiência atlética ou do sexo, a verdade é que se verifica um crescente interesse em torno desta mítica distancia de 42,195 metros. O texto de Marcelo Augusti, um dos mais conceituados treinadores brasileiros, será uma boa base para se pensar em aplicar a melhor estratégia individual para qualquer tipo de corredor. Bons Km… (M.M.)

Correr uma maratona, enfrentando os seus 42 km de percurso, não é uma tarefa das mais fáceis, porém, nada impossível desde que sejam adoptadas medidas racionais para a sua realização. Mesmo entre os mais preparados e experientes corredores, a decisão de participar numa maratona pede uma atenção especial aos pequenos detalhes, que podem fazer a diferença no momento da prova.

Ao contrário das competições em distâncias mais curtas, a maratona exige do corredor uma dedicação maior aos treinos e uma atenção a alguns elementos que, a princípio, parecem de pouca importância e que somente durante a prova se manifestarão de modo decisivo às pretensões do atleta

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Assim, o calçado que será utilizado no dia deve ser testado anteriormente durante os treinos. O sapato de corrida deve estar perfeitamente ajustado, permitindo a dilatação normal dos pés do corredor e não causar atritos que possam provocar bolhas.

O vestuário (camisola, calção e meias) não deve causar irritações na pele, como por exemplo, nos mamilos, nas axilas, na parte interna das coxas e nos calcanhares.

A vestimenta do corredor deverá ser testada com antecedência, apresentando-se confortável e adequada ao que se pretende, assim como a alimentação que antecede a prova e o suplemento que será utilizado. Nada de coisas novas e que nunca foram utilizadas nos treinos diários deve ser introduzido no grande dia. Isso é regra!

Independente da experiência do corredor em relação à maratona, as variações de percursos, as condições atmosféricas e as próprias condições de treino e preparação psicológica fazem com que praticamente cada maratona seja única.

MARATONA: 32 + 10 KM

Para se adquirir uma expectativa psicológica optimista, uma das estratégias adoptadas por muitos corredores é dividir os 42 km em duas partes:

  1. Uma corrida longa de 32 km em ritmo confortável / moderado;
  1. Uma corrida de 10 km em ritmo forte

A explicação para essa estratégia é que os maratonistas, na sua preparação, estão acostumados aos treinos longos de 32 km, sendo esta, portanto, uma distância muito familiar. Por outro lado, 10 km também é uma distância muito comum, já que os maratonistas costumam participar em elevado número de eventos nessa distância. Assim, os maratonistas devem, nos primeiros 32 km, apenas “correr, e nos últimos 10 km, “competir

Quando se é capaz de imaginar uma corrida longa de 32 km e em seguida uma competição de 10 km, a nível psicológico, isso fica muito familiar ao corredor. Com isso, buscamos uma estratégia que facilite o comportamento emocional do corredor durante o trajecto. Mesmo que o ritmo dos últimos 10 km venha a cair por diversos motivos, o corredor estará preparado psicologicamente para enfrentar o esforço mais difícil, ou seja, o trecho final do percurso.

NOS LONGOS, DOIS RITMOS

Como dica de treino para adopção de tal estratégia, sugerimos que o corredor, ao realizar seus treinos longos, divida-os em dois momentos, sendo que, na primeira parte do percurso (1h20-1h40), o ritmo seja por volta de 5% menor que o ritmo normal de competição; na segunda parte do treino (20-40 minutos), o ritmo deve ser o mesmo previsto para a competição

Para determinar o ritmo competitivo, propomos a realização do teste de 15 km, uma as distância que atende perfeitamente necessidades do maratonista em relação à sua capacidade tanto de resistência como de velocidade. O teste deve ser realizado em local preferencialmente plano e com a devida marcação.

Realizado 0 teste, calculamos a intensidade do esforço correspondente ao ritmo competitivo do corredor como sendo 0,85 da velocidade média dos 15 km, adoptando o valor de 5% para a estratégia do treino

É preferível ao corredor iniciar a prova num ritmo ligeiramente mais lento que o previsto, adoptando essa estratégia ao longo de toda a primeira parte do percurso (32 km), com o objectivo de preservar as suas reservas de energia (carboidratos)

Na segunda parte da prova, ou seja, os últimos 10 km, caso o corredor queira aumentar o seu ritmo com o intuito de alcançar um outro corredor ou um grupo de corredores mais à frente, o mesmo ainda terá uma reserva de carboidratos que será utilizada como energia para o aumento do ritmo e/ou a arrancada final.

SPLIT NEGATIVO

Nos últimos anos tem acontecido atletas de elite fazerem a segunda metade da maratona num ritmo superior à primeira, facto este denominado de split negativo, sendo que muitos se preparam especificamente para tal, uma vez que nas principais provas do mundo a estratégia dos ponteiros é segurar o ritmo na primeira parte ou até ao km 30 e só então começar a forçar. Isto, aliás, verificou-se na sensacional vitória de Marilson dos Santos em Nova York 2006, assim como quando Ronaldo da Costa estabeleceu a melhor marca mundial (2h06.50) em Berlim 1998. Nos primeiros 21 km, Ronaldo correu no ritmo médio de 3.06/Km, e nos últimos a média foi de 2.56/Km.

Mas correr a segunda parte de uma maratona em ritmo mais rápido do que a primeira não é nada fácil, mesmo para os bem treinados, por duas razões especialmente:

  1. É muito difícil para o corredor manter um ritmo confortável no início, pois o mesmo se encontra cheio de energia e sempre surge a tentação de acelerar (é a falta de paciência que deve ser treinada!). Os corredores nunca se
TESTE DE 15 KM x DESEMPENHO NA MARATONA
RESULTADO DE 15 KMRITMO KMMARSTONA RITMO KM Confortável 85% (+1-2%)TEMPO FINAL
1h00.004.00/km4.36 – 4.49/km3h 14-3h23
1h03.454.15/km4.53 – 5.0/km3h26-3h35
1h07.104.30/km5.10- 5.25/km3h37 -3h48
1h11.154.40/km5.27 – 5.43/km3h50 -4h08
1h15.oo5.00/km5.45 – 6.02/km4h02-4h14
1h18.455.15/km6.04 – 6.20/km4h15-1h27
1h22.305.30/km6.22- 6.38,”km4h28- 4h39
1h26.155.45/km6.36 – 6.56km4h38- 4h52
1h30.OO6.00/krn6.53 – 714/km4h50- 5h05

 

O teste deve ser feito em local plano. O corredor deve empenharse para obter a melhor marca para o momento. Exemplo de treino para um corredor que tenha obtido a marca de 1h00.00 nos 15 km e que pretenda fazer um longo de 30 km dividido em três etapas: 12 km acima de 4.49/km + 10 km entre 4.36 e 4.49/km + 8 km abaixo de 4.36/km. O treino é contínuo, não havendo nenhuma pausa entre as distâncias, ou seja, aumentase o ritmo conforme se avança no percurso! As distâncias podem ser invertidas, de acordo com a condição do corredor

Lembram do martírio que foi completar a segunda parte da última maratona disputada e acabam por cometer o mesmo equívoco, ou seja, correm no ritmo em que se sentem bem no começo (não segurando) e “quebram” no final

  1. Devido à desidratação (que sempre

acontece numa maratona, mesmo que o corredor procure hidratar-se em todos os postos), que reduz o volume de sangue circulante e eleva a frequência cardíaca (meio compensatório para enviar nutrientes aos músculos), ocorre uma diminuição na velocidade de limiar anaeróbio. Essa diminuição do ritmo de corrida é para compensar o aumento da concentração do lactato no sangue, evitando que o corredor pare de vez com a corrida.

FUNDAMENTAL: A ECONOMIA DE ESFORÇO

Na maratona, para que se obtenha o máximo em termos de economia de esforço (redução do gasto energético), uma opção é que o corredor mantenha uma variação mínima no ritmo competitivo. Essa variação mínima está

compreendida entre -2% e +2% do ritmo de competição, ou seja, o corredor não deve distanciar-se 2% acima ou abaixo do seu ritmo normal, pois isto implica em maior dispêndio energético e, em consequência, falta de combustível para a manutenção ou aumento do ritmo no trecho final.

Como exemplo, se um corredor, após o teste, tem como ritmo competitivo (85% do ritmo dos 15 km) o tempo de 4 minutos/km, a variação mínima adoptada será de 3.56 4.04 minutos/Km. Mas temos que considerar que percursos muito duros, com muitas subidas ou descidas, “quebram” o ritmo do corredor, o que aumenta o gasto energético e resulta em pior resultado final

Outro factor de elevada dificuldade para o corredor é a temperatura ambiente e a humidade relativa do ar. Em temperaturas acima de 28°C e humidade relativa maior que 60% é quase impraticável o alcance de um bom resultado competitivo. Nesse caso, como medida de precaução, podemos considerar uma perda no ritmo competitivo maior que 5% do ritmo normal.

Outra estratégia que deve ser considerada de muita importância é a reposição hídrica e energética durante a prova, e que deve ser ensaiada também durante os treinos longos.