1.664 dias desde a última vez que corri, regressei. E que deleite foi.

Dois dias antes do evento – Meia Maratona Odivelas Loures Odivelas 2023 – apercebi-me que Odivelas era palco e co-organização de um evento ímpar na modalidade do atletismo.

Inserido neste reviver de outrora existia uma corrida de dez quilómetros e uma caminhada de cinco quilómetros. Eu queria regressar e nada como o fazer na cidade que me viu crescer e onde conhecia cada ponto do percurso a percorrer. E foi nesta índole que comecei a criar, na minha mente, a imagem do que ia conquistar. 

Para quem ia regressar, dez quilómetros era um absurdo. Inicialmente tentei convencer-me em fazer a caminhada a correr mas algo não fazia sentido. Uma parte de mim queria serenidade e controle no regresso, outra dizia que era capaz desde que fosse regrada. 

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Então dediquei-me, nos dois dias anteriores, a imaginar-me na linha de partida, aos pulinhos e a curtir a música, sentir o meu corpo a cada passo do percurso que eu conhecia como a palma da minha mão, refrescar-me com água nos abastecimentos, sorver o sol, o vento, os aplausos, congratular os voluntários e forças de intervenção presentes, inclusive aceitar que após os seis quilómetros poderia sentir uma quebra mas o meu pequeno príncipe iria estar há minha espera no quilómetro oito para me dar força e por fim, só restariam 20% para atravessar a meta de braços no ar e com aquela sensação de plenitude que os corredores tanto conhecem. Toda a minha visualização foi detalhista.

Passar ao lado do antigo oceano que outrora equivalia a um grande centro comercial, ver o jardim infantil onde a minha ama me levou vezes sem conta a andar de baloiço, contornar a rotunda e a Avelar Brotero onde fui aluna e fiz grandes amizades, descer a rua onde a minha mãe vive e o meu filho ver-me regressar a um desporto que me trouxe tanta resiliência e alegrias, correr por baixo do viaduto do metro, desembocar na rotunda e seguir junto ao Pingo Doce onde ia lavar o carro todos os fins-de-semana, recordar o café nas arcadas onde ia depois de regressar da faculdade, a churrascaria da Póvoa que era um sucesso, a igreja, a oficina que tira mossas sem pintar, o restaurante chafariz, logo à frente a repsol onde se faziam filas complexas em dias de desconto, o centro comercial flamingos, o Aldi da Flamenga que aprecio, a famosa didu e a rotunda D´El Rei onde estimei fazer o retorno e não falhei. Estas e muitas outras memórias tornaram o percurso um deleite. 

Iniciei muito calma e sempre a controlar o ritmo mas por mais que quisesse reduzir, o corpo não deixava.

Aceitei. Fui sempre a dar os bons dias e agradecer a todos ao longo do percurso, ainda palavras de incentivo a quem necessitava, e rapidamente percebi que ia chegar aos cinco quilómetros com menos de trinta e cinco minutos como tinha planeado.

Tal significava que aos oito, não teria o meu filho a ver-me passar mas não desmoralizei. Pelo contrário, ainda tinha muita vontade de correr e um pouquinho mais rápido. No retorno havia atletas a caminhar e fui aproveitando para lhes dizer frases positivas que também serviam a mim.

Encharquei-me com uma garrafa de água e bebi outra na totalidade. O calor era tanto que dois quilómetros depois estava praticamente seca. Aproximo me da rua da minha mãe e obviamente não estavam à espera. Disseram-me adeus da varanda e estava tudo bem. Pouco depois, começa a subir muito ligeiramente até à rotunda e foi quando senti pela primeira vez quebra.

Foi puramente mental. Faltava muito pouco, por isso arrisquei impor um ritmo um nadinha mais alto para terminar. Fui muito feliz durante uma hora, dois minutos e cinquenta e quatro segundos. Tudo o que visualizei, conquistei. E mais.

Filipa Vilar

 

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